por Pe. Gaspar Pelegrini*
Sei que o título deste artigo soa
estanho. Mais ainda vindo de um padre que usa sempre a batina. Mas eu repito:
cuidado com a batina!
Se me permitem, eu me explico.
Para tanto, temos que recordar o
sentido da batina. E quando digo batina, entenda-se o hábito sacerdotal, seja a
batina mesma ou o clergyman, ou outra veste sacerdotal.
A batina tem como fim ser um sinal
para os outros e para o padre.
Para os outros a batina ajuda a
identificar o sacerdote em meio a outras pessoas. O padre, como nos dizia o
Beato João Paulo II, não pode perder-se no anonimato. Ele é sinal de Deus. É
luz, é referência. Ele tem que ser visto, tem que ser encontrado com
facilidade. E o hábito sacerdotal ajuda a identificar o padre.
A vista de um padre nos leva a pensar
em Deus, a lembrar-nos de Deus de quem o padre é sinal e mais ainda, ministro.
Se estamos num perigo e vemos um policial, nós nos tranqüilizamos e vamos até
ele pedir ajuda. A farda não faz o policial, mas facilita encontrá-lo,
identificá-lo. Como também o nome de uma loja não é a loja, mas ajuda a
encontrá-la. A batina não é o padre. O poder não está na batina. Mas a batina
ajuda muito a encontrar o padre.
E para o Padre?
O hábito o ajuda a não se esquecer de
sua missão, de sua entrega a Deus.
A batina é para o padre proteção,
alerta e às vezes, até sinal vermelho.
Alerta porque se ele está com a sua
veste própria, é convidado a agir como sacerdote. O hábito lembra ao padre uma
coisa que muitas vezes não queremos aceitar: o padre não é uma pessoa comum.
Não é um homem como os demais. Não. O jovem que é chamado por Deus e é ordenado
padre, sim, é um homem como os demais. Mas, enquanto sacerdote, não é mais como
os demais. Houve uma mudança em seu próprio ser. Ele não se pertence mais, não
tem direito de agir como se não fosse sacerdote. Isso o próprio povo de Deus
espera de nós. O povo quer e tem direito de ver no padre um padre.
Às vezes também a batina pode ser um
sinal vermelho para o padre no sentido em que como sacerdote, vestido como
padre, ele não pode tomar certas atitudes, ir a certos lugares, etc.
A batina é ainda um desafio para o
padre. Temos que ser o que a batina representa.
Por isso eu digo: cuidado com a
batina. Cuidado, meu irmão padre, para não se esquecer de seu hábito que lhe
recorda sua identidade. Cuidado com a batina, pois ela o sinaliza. Suas ações e
atitudes são vistas como ações de um ministro de Deus.
Mas quando digo aqui “cuidado com a
batina”, eu quero mesmo é insistir num outro aspecto totalmente diferente.
Um dos grandes significados da batina
é lembrar ao padre e aos outros que ele abriu mão de muitas coisas para se
dedicar a Cristo, na simplicidade, na pobreza, numa vida austera, embora cheia
de alegria. Ou seja, a batina nos convida a renunciar a roupas ostensivas,
roupas de marca, cores preferidas por nós, roupas da moda, etc. Por isso se diz
que a batina é sinal de morte para o mundo. Neste sentido.
Mas eu percebo um pouco hoje entre nós
padres e, talvez, mais ainda, entre seminaristas, uma atitude que é uma grande
incoerência: usar a batina por vaidade. Fazer da batina um meio de ostentação.
Já viram na internet fotos de padres e seminaristas fazendo poses de batina,
querendo imitar fotos antigas, um pezinho pra frente, olhar para o infinito,
uma boa quantidade de gel no cabelo, etc., etc?
A batina que tem que ter não sei
quantos botões, em honra dos anos da vida de Jesus, das bem-aventuranças, dos
coros angélicos... O tecido tem que ser tal que para dê uma boa caída. A faixa
tem que ter tantos centímetros de largura, uma franja bem entrelaçada para
lembrar a rede de São Pedro. A capinha para imitar S. João Bosco. O solidéu...
Outro dia um jovem desistiu de nosso Seminário porque me perguntou se nossos
seminaristas usavam solidéu e eu disse que não. Imaginem. Uma vocação
condicionada a um solidéu...
E o preço que às vezes se paga por uma
batina, porque tem tal tipo de corte, é de tal marca... Até a batina virou
roupa de marca.
O que acontece então? Aquela veste que
seria um convite à simplicidade e à pobreza, torna-se ocasião de vaidade, de
ostentação, de consumismo.
Nestes casos, o uso da batina não
serve para mostrar a condição de ministros de Deus, mas para a pessoa se
mostrar, se exibir através da batina.
Mais triste ainda quando a pessoa que
faz uso da batina tem um comportamento que não condiz em nada com a condição de
discípulos de Cristo, mortos para a vaidade e para as coisas mundanas.
Por isso digo: cuidado com a batina!
Não estou defendendo que não se use a
batina. Até porque eu só ando de batina. Quero dizer que devemos usá-la
corretamente. Ter cuidado porque o diabo, que se veste de anjo de luz, pode
também querer usar da batina para nos fazer cair no contrário de tudo o que ela
significa e nos recorda.
Cuidado com a batina! Cuidado para não
deixar de lado este grande sinal.
Cuidado para não usá-la mal,
deformando o seu significado. Cuidado para não transformar o remédio em veneno.
Cuidado para não transformar o hábito que é um sinal do que trazemos lá dentro
de nós, em uma capa que esconde o que lá dentro não está bem.
Dizer “cuidado com a batina” não é um
convite para não usá-la, mas um apelo a usá-la corretamente, segundo o que
realmente ela é e nos lembra: sinal de morte às coisas mundanas, entrega e
consagração a Deus como seus ministros no seguimento de Cristo, a serviço de
nossos irmãos.
*Reitor do Seminário da Imaculada
Conceição - Adm. Apostólica S. João M. Vianney
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