Retirado do livro “A Alma de
Todo Apostolado”
Sendo membro da Ordem de Cister e filho de São Bernardo, não
posso deixar de dizer que o santo Abade de Claraval atribuía a Maria todos os
seus progressos na união com Jesus e todas as suas vitórias no apostolado.
Todos
sabem o que foi o apostolado do mais ilustre dos filhos do patriarca São Bento,
sobre os povos, os reis, os concílios, e até sobre o coração dos Papas. Todos
exaltam a santidade, o gênio, a ciência e a unção dos escritos do último dos
Padres da Igreja. Porém, o que, sobretudo, sintetiza a admiração dos séculos
pelo santo doutor, é o título de “cantor de Maria”, que lhe foi outorgado.
Este
incomparável apóstolo da Europa, não foi excedido por nenhum outro daqueles que
celebraram as glórias da Mãe de Deus. Grandes santos, como São Bernardino de
Sena, São Francisco de Sales, Santo Afonso de Ligório, São Luís de Montfort, e
outros, não deixaram de ir beber os tesouros de São Bernardo, quando quiseram
falar da Virgem Maria.
“Vejamos,
meus irmãos —diz o santo doutor— quais os sentimentos de devoção, com que Deus
quis que honrássemos Maria, Ele que pôs n’Ela toda a plenitude dos seus bens.
Se, em nós, existe qualquer esperança, qualquer graça, qualquer penhor de
salvação, reconheçamos que tudo isso jorra sobre nós d’Aquela que está cumulada
de delícias (…) Tirai esse sol que alumia o mundo, e deixará de haver dia.
Tirai Maria, essa estrela do mar, do nosso grande e imenso mar, e que fica
senão profunda escuridão, sombras de morte e trevas espessas? É, pois, do fundo
dos nossos corações e das nossas entranhas, e com os nossos melhores anseios
que devemos honrar a Virgem Maria; pois tal é a vontade d’Aquele que quis que
tudo tivéssemos por meio d’Ela”.[1]
Apoiados
nesta doutrina, não hesitamos em dizer que, se a atividade do apóstolo não se
fundar numa especialíssima devoção a Nossa Senhora, arrisca-se, seriamente, a
construir sobre a areia.
a)
Para a vida interior pessoal.
O apóstolo será insuficientemente devoto de Nossa Senhora, se
não tiver confiança filial e amorosa na Mãe de Deus, ou se apenas for exterior
o culto que lhe prestar. Para sermos seus verdadeiros filhos, o nosso amor deve
corresponder ao dela; devemos estar firmemente convencidos das grandezas, privilégios
e funções da Mãe de Deus e dos homens; devemos estar compenetrados de que a
luta contra as faltas, a aquisição das virtudes, o reinado de Jesus Cristo nas
almas, dependem do grau de devoção que tivermos a Maria; [2] devemos
estar compenetrados de que a vida interior é mais segura, mais suave e mais
rápida, quando se opera com Maria; [3] devemos
transbordar de confiança filial e de amor pela Medianeira de todas as graças.
[4]
Todos
estes sentimentos se encontravam em alto grau no coração do exemplar apóstolo
que foi São Bernardo. Quem não conhece as palavras que brotaram da alma deste
santo abade, quando, ao explicar aos seus monges o Evangelho Missus est,
exclamou:
“Ó
tu que compreendes que, no fluxo e refluxo deste mundo, flutuas entre ressacas e
tempestades e não caminhas em terra firme, fixa os teus olhos sobre essa
estrela, para não pereceres na tormenta. Se os ventos das tentações se
desencadearem, se fores de encontro aos escolhos das tribulações, olha para a
estrela, invoca Maria! Se te vires sacudido pelas ondas do orgulho, da ambição,
da maledicência, da inveja; olha para a estrela, invoca Maria! Se a cólera, a
avareza, ou a cobiça assaltarem a frágil barquinha da tua alma, ergue os olhos
para Maria! Se, acabrunhado pela enormidade das tuas faltas, confundido pelas
hediondas chagas da tua consciência, horrorizado pelo pavor do juízo, começares
a ser absorvido pelos abismos da tristeza e do desespero, pensa em Maria! Nos
perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria! Jamais saia
Maria dos teus lábios; jamais fique Maria longe do teu coração; e, para obteres
o bom despacho das tuas preces, não olvides o exemplo da sua vida. Seguindo-a,
não te desviarás; invocando-a, não desesperarás; contemplando-a, não errarás.
Por ela amparado, nunca cairás; sob a sua proteção, nada te causará temor;
guiado por ela, nunca te cansarás; se ela te for propícia, chegarás,
certamente, ao bom porto.”
Não
querendo alongar-me, mas desejando facultar aos apóstolos um resumo dos
conselhos de São Bernardo, para quem quiser ser verdadeiro filho de Maria,
aconselho-os, fraternalmente, a lerem com atenção o precioso livro: “La vie spirituelle, à l’école du Bienheureux Grignion de
Montfort”,
escrito pelo Padre Lhoumeau, superior geral dos Monfortinos.[5]
Esta
obra sólida, do ponto de vista teológico, mas, ao mesmo tempo, prática e cheia
de unção, reflete, maravilhosamente, o pensamento de São Bernardo. Nada lhe
falta para alcançar os resultados tão desejados pelo abade de Claraval:
afeiçoar o coração dos seus filhos à imagem do seu e dar-lhes o carácter
dominante dos autores cistercienses: a necessidade do recurso habitual a Maria
e a vida de união com ela.
Terminemos
com as palavras consoladoras que a admirável cisterciense Santa Gertrudes ouviu
dos lábios da Santíssima Virgem: “Não se diga que o meu dulcíssimo Jesus é meu
Filho único, mas meu primogênito. Foi Ele quem eu concebi primeiro, no meu
seio, mas, por Ele, concebi, depois, a todos vós para serdes seus irmãos e meus
filhos, adotando no seio do meu amor maternal”.
b) Quanto à fecundidade do
apostolado.
Como diz São Paulo, quando o apóstolo tira as almas do pecado
e as faz crescer na virtude, está a gerar nelas o próprio Cristo. Por
conseguinte, se Jesus Cristo veio ao mundo por meio da Santíssima Virgem,
também é por meio dela que Ele deve ser gerado nas almas dos seus filhos.
Esquecer
Maria no apostolado seria desconhecer uma parte essencial do plano divino.
“Todos os predestinados —diz Santo Agostinho— estão neste mundo ocultos no seio
da Santíssima Virgem, onde crescem, são guardados e alimentados por esta boa
Mãe, até nascerem para a glória, depois da morte.”
“Após
a Encarnação —conclui justamente São Bernardino de Sena— Maria adquiriu uma
espécie de jurisdição sobre a missão temporal do Espírito Santo, de tal modo
que as criaturas só recebem graças pelas mãos d’Ela”. Por sua vez, o verdadeiro
devoto de Maria torna-se omnipotente sobre o Coração da sua Mãe. O seu
apostolado é eficacíssimo, pois dispõe da omnipotência de Maria sobre o sangue infinitamente
precioso do Redentor. Por isso, todos os grandes conquistadores de almas têm
extraordinária devoção à Santíssima Virgem. A força com que conseguem persuadir
as almas a abandonar o pecado, e a abraçarem a virtude, vem-lhes do horror ao
mal e o amor à pureza daquela que a si mesma se chamou Imaculada Conceição.
Ao
ouvir a dulcíssima voz de Maria, São João Baptista reconheceu a presença de
Jesus, e exultou de alegria no seio de Santa Isabel. Os verdadeiros filhos de
Nossa Senhora sabem, também, encontrar as palavras capazes de tocarem os
corações mais empedernidos e abri-los para Jesus; sabem encontrar, com o
auxílio da Mãe de Misericórdia, a palavra que salva do desespero e abre as
almas para as vias da confiança; sabem colocar os pecadores nas mãos daquela
que é o seu Refúgio seguro e a sua verdadeira Mãe.
São
João Baptista Vianney encontrou, por vezes, pecadores que se escudavam em
práticas exteriores de devoção à Santíssima Virgem, para calarem a própria
consciência, pecarem mais facilmente e não temerem a justiça de Deus. A palavra
incisiva do santo pároco de Ars revelava-lhes, contudo, a injúria que estavam a
fazer à Mãe de Misericórdia, e levava-os a servirem-se dessas mesmas práticas
de devoção para implorarem e, assim, obterem a graça da conversão.
Em
caso igual, um apóstolo pouco devoto de Maria, poderia facilmente levar o pobre
náufrago a abandonar tais práticas que talvez fossem a sua única tábua de
salvação.
Se
Maria viver no coração do apóstolo, ele conseguirá ter a eloquência maternal que
toque as almas mais duras. Dir-se-ia que, por uma delicadeza admirável, Nosso
Senhor reserva para a sua Mãe as conquistas mais difíceis e só as concede aos
verdadeiros devotos de Maria. O verdadeiro filho de Nossa Senhora nunca
carecerá de argumentos, meios e expedientes, quando haja de animar os fracos e
consolar os inconsoláveis.
O
decreto pontifício que acrescentou à Ladainha Lauretana a invocação: “Mãe do
bom conselho”, funda-se nos títulos de “Tesoureira das graças celestes” e “Consoladora
universal” que Maria merece.
É
aos seus verdadeiros devotos que a “Mãe do bom conselho” faculta, como em Caná,
o segredo de obterem, para distribuir, o vinho da força e da alegria. Mas,
sobretudo, quando é preciso falar do amor de Deus às almas, é que a “Raptora dos
corações”, Raptrix cordium, conforme expressão de São Bernardo, a Esposa do Amor
substancial, põe nos lábios dos seus filhos as palavras de fogo que ateiam o
amor de Jesus e, por meio desse amor, fazem germinar todas as virtudes.
O
verdadeiro apóstolo deve amar, apaixonadamente, aquela a quem Pio IV chamou Virgo sacerdos, cuja dignidade ultrapassa a de todos os sacerdotes e
pontífices. E este amor dar-lhe-á o direito de nunca considerar perdida uma
obra, se a começou com Maria e se com Ela a quer consolidar. Maria, com efeito,
está na base e no topo de tudo quanto interessa ao Reino de Cristo.
Mas
trabalhar com Ela não é, apenas, erguer-lhe altares ou entoar cânticos em sua
honra. O que Ela quer, verdadeiramente, é que vivamos unidos a Ela, que as
nossas afeições passem pelo seu Coração e que recorramos ao seu conselho e
auxílio. Sobretudo, espera de nós a imitação das suas virtudes e a entrega
total nas suas mãos, para que nos possa revestir do seu divino Filho.
Se
recorrermos habitualmente a Maria, imitaremos aquele general do Povo de Deus
que, antes de avançar contra o inimigo, dizia a Débora: “Se fores comigo, eu
irei; mas, se não fores, não irei” (Jz 4, 8), e faremos, então,
verdadeiramente, todas as nossas obras com Ela. E Ela
entrará, não só nas decisões principais, mas também em todos os casos
imprevistos e em todos os pormenores da execução da obra.
Unidos
àquela, cuja invocação de Nossa Senhora do Sagrado Coração, resume, em nossa
opinião, todos os outros títulos, não correremos o risco de desvirtuar as
obras, permitindo que elas prejudiquem a vida interior e se tornem um perigo
para as nossas almas. Pelo contrário, por meio dessas mesmas obras,
progrediremos na vida interior, em união com aquela que nos assegura a posse do
seu divino Filho durante toda a eternidade.
Epílogo
Depomos este modesto trabalho aos pés de Maria Imaculada.
O
perfeito ideal do apostolado é o Coração da Santíssima Virgem, tal como aparece
na gravura bizantina, do século VI, reproduzida neste livro. [6]
Parece-nos
a própria imagem da vida interior. A Virgem tem no peito o Verbo Encarnado.
Como o Pai Eterno, conserva sempre em si o Verbo que deu ao mundo. Jesus vive n’Ela.
O
Menino Jesus aparece, porém, dentro do seu Coração no ato de exercer o seu
apostolado. O seu porte, o rolo do Evangelho que tem na mão esquerda, o gesto
da mão direita, o seu olhar: tudo indica que está a ensinar. E a Virgem une-se
à sua palavra. A expressão do seu rosto parece dizer que quer também falar. Os
seus olhos grandes abertos procuram almas às quais possa comunicar o seu Filho:
imagem perfeita da vida ativa, pela pregação e pelo ensino.
As
suas mãos estendidas — como as dos orantes das catacumbas, ou as do sacerdote
que oferece a Vítima santa sobre o altar— recordam-nos que é, sobretudo, pela
oração e pela união ao sacrifício de Jesus que a nossa vida interior será
profunda e o nosso apostolado dará fruto.
Ela
vive da vida de Jesus, do seu amor, do seu sacrifício, e Jesus fala nela e por
ela. Jesus é a sua vida e ela é o porta-voz, a custódia de Jesus. Assim deve
ser a alma dedicada ao apostolado, deve viver de Deus, para poder falar
eficazmente d’Ele, já que a vida ativa é apenas a vida interior a transbordar
da alma.
Rainha dos Apóstolos
Salve, Virgem Mãe, receptáculo
vivo do Coração de Jesus! Desta divina fonte haurimos, por vosso intermédio, o
espírito de sacrifício e de oração.
Retirado do livro "A Alma de Todo Apostolado" ,
de Dom Jean-Baptiste Chautard, pg. 173 à 184 - Editora Civilização.
Recomendamos
muitíssimo a leitura deste livro, recomendado por tantos, como por exemplo o
Santo Padre Pio X o tinha como livro de cabeceira.
Palavras de São Pio X, durante
a visita ad limina dos bispos do Canadá em 1914:
"Se quereis que Deus abençõe e torne fecundo o vosso apostolado,
empreendido para a sua glória, impregnai-vos bem do espírito de Jesus Cristo,
procurando adquirir uma intensa vida interior. Para este fim, nao vos posso
indicar melhor guia do que "A alma de todo o apostolado" de Dom
Chautard, abade cisterciense. Recomendo-vos, calorosamente, esta obra, que
estimo particularmente, e da qual fiz o meu próprio livro de cabeceira".
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Referências:
[1] São
Bernardo, Serm. in Nat. B. M. V. alias de Aquaeductu.
[2]“Ninguém
recebe o dom de Deus senão por vós, ó cheia de graça” (São Germano). “A
santidade cresce, em razão da devoção que se professa a Maria” (Padre Faber).
[3] “Com Maria, fazem-se mais
progressos no amor de Jesus num só mês, do que em vários anos vivendo-se menos
unidos a esta boa Mãe” (São Luís de Montfort).
[4] “Meus filhos, ela é a base da
minha confiança e a razão da minha esperança” (São Bernardo).
[5] Livraria Oudin, Paris.
[6] A imagem que aqui reproduzimos representa a “Panaghia
Parthenos”, uma das mais célebres e antigas imagens da Mãe de Deus. O original,
dádiva da imperatriz Pulquéria (450-453), encontrava-se numa das mais belas e
ricas igrejas de Constantinopla, e ainda aí se conservava nos fins do século
XIV. Encontram-se, com bastante frequência, reproduções desta célebre pintura
na Rússia, por exemplo em Kiev, Novgorod e Moscovo, bem como na Grécia.
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