terça-feira, 26 de março de 2013

Entendendo o amor


por Pe. Thomas Morrow

Transcrição: Blog Mater Dei

No meu último ano de teologia no seminário, assisti uma aula chamada “Seminário inter-seminário”, em que estavam presentes outros estudantes de seminários próximos. Tratava-se de estudar os diferentes pontos de vista teológicos sobre a nossa fé. Nunca esquecerei o dia em que o tema era o amor e um seminarista afirmou que não era possível que Deus nos mandasse amar [1], pois o amor é um sentimento e não pode ser programado: tem que chegar. No seu atrevimento, negava a validade da Sagrada Escritura e cometia um grave erro acerca de dois grandes mandamentos de Cristo, confundindo amor com sentimento. O amor de que Jesus fala é uma amor desejado, não o amor que se sente. Felizmente, eu tinha lido recentemente Os quatro amores, de C.S. Lewis.
            Descobri nessa altura a confusão que as pessoas de língua inglesa (*e também de outras línguas) faziam neste campo. Observei a mesma confusão no dia em que uma paroquiana me disse que já não amava o seu marido. Perguntei-lhe se a preocupava o bem dele e respondeu-me que sim, sem dúvida.
-        “Então você o ama – disse-lhe -. Esse é o amor que você lhe prometeu no dia do seu casamento, não um sentimento romântico. Dizer-lhe isto é o primeiro modo de manifestá-lo”.
-        “Há muito tempo que não lhe digo que o amo”, admitiu ela.
-        “Bem, e não acha que deveria fazê-lo? Afinal de contas, você prometeu amá-lo durante toda a sua vida”.
-        “Não sei se serei capaz de fazê-lo agora”, respondeu-me.
            Via-se que o marido a tinha feito sofrer durante muito tempo e que ela preferia esperar a que o sentimento do amor retornasse. Mas é curioso observar que muitos casais se voltam a amar-se quando o exprimem em palavras, que só então o relacionamento se normaliza.
            Para compreendermos o namoro cristão, comecemos por eliminar a indefinição com que o idioma inglês (*e também em outras línguas) se refere aos significados da palavra amor. Em grego, há quatro palavras para referi-los:
-        ágape, que se costuma traduzir por “amor divino” porque exprime o amor sacrificial de Deus pela humanidade;
-        philía, que diz respeito a amizade e é chamada algumas vezes “amor fraterno”;
-        storgé, que se traduz por afeto e se costuma chamar amor familiar;
-        eros, a quarta, que é o amor passional, entre um homem e uma mulher.
           
            Como disse atrás, C.S. Lewis escreveu um livro em que dá uma explicação clássica dessas quatro dinâmicas do amor, algumas das quais empregarei como ponto de partida.

Ágape (Amor Divino)
            O amor que um homem e uma mulher prometem mutuamente no dia do casamento é um reflexo do amor divino, que os gregos denominavam ágape, e que é o mais importante dos quatro, pois é a condição para a salvação: Amarás o Senhor teu Deus como todo o teu coração e como toda a tua alma e como todas as forças e com toda a tua mente... (Lc 10,27). A palavra grega empregada aqui é agapao (“amarás”), derivada de ágape. Por tratar-se de uma mandamento, o ato de amor deve ser um ato de vontade, não um sentimento. Poderíamos defini-lo, no caso do amor conjugal, como a entrega incondicional que alguém faz de si mesmo pelo bem da pessoa amada.
            Se você ama com essa intensidade, entregará o seu tempo, o seu dinheiro, o seu trabalho, tudo o que tem pela pessoa que ama. Mas não o entregará indiscriminadamente, mas pelo bem da pessoa amada. Entregar-se para agradar o outro nem sempre é amor divino, pois o que agrada não necessariamente o que é bom.
            O pai que diz “não” a um filho que lhe pede uma Ferrari aos dezesseis anos, demonstra-lhe o seu amor. A moça que diz “não” ao seu namorado quando lhe pede para terem uma relação, demonstra-lhe o seu amor. Os pais que cortam a mesada a um filho traficante de drogas, ou o internam numa instituição de recuperação, demonstram-lhe um “amor firme”. Deus demonstra-nos um “amor firme” quando nos desviamos de seu caminho e comprovamos que a nossa vida desmorona.
            Aqui não há lugar para condições: “Se você se comporta bem”, se se continuar a comprazer-me”, “se não engordar”... Os pais devem amar os seus filhos de modo incondicional, o que significa estarem sempre dispostos a lutar pelo bem deles, quer lhes agrade ou não.
            Não agradamos a Deus quando pecamos, mas Ele sempre nos aceitará quando voltarmos, porque é um Deus de amor. O seu interesse pelo nosso bem não admite condições, e confia em que o amemos do mesmo modo.
            O ágape exprime-se geralmente de um modo silencioso e duradouro, sem muito espetáculo. Cinquenta anos passados a lavar roupa da família; quarenta anos a cuidar dos doentes e moribundos; décadas de pequenos sacrifícios pelo esposo e pelos filhos; uma vida inteira entregue a oração e a educar os filhos... Um amor assim é menos apaixonante, e até o mais aborrecido dos amores, mas a longo prazo é o mais profundo e gratificante.
            É o mesmo que regar uma planta. Você a molha e cuida dela dia após dia, semana após semana, ano após ano, e aparentemente não percebe que cresce. Um dia, depois de vários anos, a planta torna-se árvore, floresce  e por fim dá fruto. Só então, depois do que parecia um esforço sem fim, você percebe que valeu a pena. Esse amor é o único que nos pode realizar como pessoas: “O homem – escreveu João Paulo II na Redemptor Hominis, n. 10 – não pode viver sem amor. Será um ser incompreensível para si mesmo e a sua vida estará privada de sentido se não lhe revelar o amor, se não se encontrar com o amor, se não o experimentar e o fizer próprio, se não participar dele vivamente”.
            Este é o tipo de amor ágape da esposa/a profundamente decepcionada, mas que supera a situação esforçando-se para que reine a paz e se salve a relação. Podemos comprová-lo nos casais que estão casados a mais de vinte e cinco anos. Enfrentaram juntos os atritos próprios de qualquer relação humana, as provas e as dificuldades. E agora, como o seu amor era incondicional e capaz de manter-se em pé quando deixou de ser divertido, esses contratempos têm algo de especial. Esses casais gozam de paz, de um resplendor especial: é o ágape.

            Um senhora pediu-me que visitasse o seu marido, moribundo. Ele tinha-a abandonado anos antes para viver com uma mulher mais nova. Mais tarde, teve um câncer e a sua jovem companheira deixou-o. Então a esposa trouxe-o para casa e cuidou dele até à morte: tinha compreendido o poder do amor ágape.
            Ainda que ágape seja um movimento para fora, uma doação de si mesmo, quem ama desse modo costuma beneficiar-se também, de maneira inesperada [2]. No entanto, ainda que ágape implique também receber, o cristão centra-se mais em dar do que receber.
            A expressão mais profunda deste amor divino é “dar quando dói”. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13). Cristo pregou este amor e viveu e morreu com ele. Com a sua ajuda, nós também podemos viver e morrer com ele.

Estes números indicam as notas de roda-pé do livro:
[1] Em Marcos, 12,19-31, por exemplo, o Senhor dá-nos os dois grandes mandamentos do amor: amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente, e amar o próximo como a nós mesmos.

[2] Se amar deste modo não encontra correspondência por parte da pessoa amada, Deus, no entanto, promete nos uma recompensa.

*Nota do blog – O mesmo problema da definição da palavra encontra-se em outras línguas, para se aprofundar ainda mais no assunto recomendamos a leitura da Encíclica “Deus Caritas Est” (Deus é Amor) de Bento XVI, no qual - entre outros assuntos - trata-se da definição sobre o que é quais são os “tipos” de amores.

Pe. Thomas Morrow – “Namoro Cristão em um mundo supersexualizado” – Ed. Quadrante

Leia as outras partes deste texto acessando-as nestes link’s: Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5

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